A viver há pouco mais de um ano na Polónia, o português Hugo Marques, de 28 anos, começa a acusar o sentimento de insegurança ao perceber constantes ataques à liberdade e aos direitos humanos e civis no país. Esta quarta-feira, quando o país festejou o Dia da Independência, foi mais um daqueles dias.
Foi um feriado na Polônia. O país marcou a recuperação da soberania do país em 1918, após a Primeira Guerra Mundial, marca que o governo conservador de direita foi o grande promotor. Embora as autoridades locais não tenham autorizado a marcha habitual em Varsóvia, organizada por grupos de extrema direita, dada a proibição de concentrações com mais de cinco pessoas devido à pandemia, muitas pessoas desrespeitaram as ordens. Desfilaram pelas ruas da capital a pé, travaram confrontos com a polícia, bloquearam a passagem de ambulâncias e até atacaram residências particulares, causando incêndio em um apartamento.
“Atacaram a casa de alguém porque não tinham as mesmas ideias. Dispararam pirotecnia e pedras contra uma propriedade privada e a polícia não interveio nesta situação. O apartamento abaixo foi atingido e começou a arder. Já não me sinto seguro”. , destaca Hugo Marques. A casa ao lado da ponte Poniatowski no centro de Varsóvia, que os manifestantes da extrema direita queriam alvejar, exibia uma bandeira LGBT e uma faixa do movimento “Greve das Mulheres” na varanda, que é contra o endurecimento da lei do aborto .
O lisboeta Hugo Marques trabalha na área financeira em Varsóvia e vive em Minsk Mazowiecki, a 42 km da capital polaca. Como estrangeiro, não se sente à vontade com este tipo de ataques e comportamentos de ódio, apesar do ambiente tranquilo da cidade onde vive. “A situação na Polónia em termos de direitos, liberdades e garantias está a fugir ao controlo, com as instituições políticas e judiciais perdendo a credibilidade dia a dia. Acabei de comprar uma casa e quero a segurança da minha família”, afirma, em ao mesmo tempo que apela a uma posição da União Europeia sobre a matéria.
A casa atingida pelo incêndio no centro de Varsóvia, nesta quarta-feira, foi um estúdio onde foram guardadas fotografias e outros documentos originais de uma personalidade polaca, âmbito de estudo, segundo Hugo Marques. “Eles quase não destruíram a herança polonesa”, diz ele.
A marcha do Dia da Independência chega em um momento em que milhares de poloneses se manifestam diariamente contra o governo ultraconservador do partido “Lei e Justiça” (PiS), situação desencadeada pela emenda à lei de interrupção voluntária da gravidez, que passa a excluir casos de malformação fetal. A mudança legislativa já foi aprovada pelo Senado e carimbada pelo Tribunal Constitucional, que levou milhares de manifestantes às ruas desde 22 de outubro, alheios às recomendações de distância social e proibição de manifestações públicas durante a pandemia.
Conflitos entre a extrema direita e a polícia
Nesta quarta-feira, apoiadores da extrema direita entraram em confronto com a polícia durante o desfile em Varsóvia. Dos milhares de participantes, muitos viajaram em carros e motos para manter distância social. No entanto, muitos outros marcharam a pé, ignorando as ordens de dispersão da polícia para reduzir o risco de contágio do novo coronavírus, e lançaram foguetes e pedras contra a polícia de intervenção, relatam a Associated Press e as agências de notícias AFP. A polícia respondeu com balas de borracha.
Uma das situações mais graves ocorreu perto do estádio principal de Varsóvia, que está sendo usado como hospital de campanha para pacientes com covid-19. “Vários agentes ficaram feridos” após serem atacados por “grupos de hooligans”, diz a polícia no Twitter. “Os agentes tiveram que agir de forma incisiva para permitir a passagem de ambulâncias e veículos com ventiladores, que estavam sendo bloqueados por hooligans”, completa.
Muitos dos manifestantes também não usaram máscara durante a marcha que teve como lema “Nossa civilização, nossos princípios”. Eles agitaram bandeiras polonesas e gritaram “Deus, honra e pátria”, relata “AFP”.
“O que a polícia fez na marcha foi garantir que os participantes não se concentrassem muito e tentar evitar que os motins se alastrassem pela cidade”, comenta o português Hugo Marques. Além do município de Varsóvia não ter autorizado a marcha, o governo do país também pediu a não participação, devido à pandemia.
Os acontecimentos desta quarta-feira agravam o ambiente de insegurança vivido na Polónia, num momento em que “a sociedade está dividida em dois extremos, direita e esquerda, que se atacam”, nota Hugo Marques. Além dos recentes protestos da esquerda contra o governo, Hugo lembra a “opressão sobre a mídia” e a aprovação de leis pelo Senado durante a noite, “para que não haja discussão”.
“Aqui na Polónia diz-se que vamos dormir e acordar com uma nova lei”, dispara. Assim, foi aprovada a emenda à lei do aborto, que saltou diretamente do Senado para a Corte Constitucional, controlada por juízes próximos ao partido Governo. Quanto à mídia, “eu assisto o noticiário, mas não sei se a informação é 100% verdadeira”.
No ambiente familiar e de amigos, todos estão “preocupados” com a situação atual, “querem uma mudança, todos estão cansados”. Apesar de tudo, Hugo Marques não pensa em regressar a Portugal. “Ainda assim, consigo ter uma qualidade de vida melhor aqui do que em Portugal”, finaliza.
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