Gonçalo Ribeiro Telles, o cultivador de utopias | Obituário

Gonçalo Ribeiro Telles faleceu esta quarta-feira na sua casa em Lisboa, aos 98 anos, confirmou ao PÚBLICO o seu filho Miguel Ribeiro Telles. O arquitecto paisagista, político, professor universitário, Ribeiro Telles é provavelmente a figura pública que os portugueses mais têm associado à luta pela ecologia e pelo ambiente desde o dia 25 de abril.

Deixou-nos jardins que nos descansam e nos desafiam, a reserva agrícola e a reserva ecológica. Foi também uma reserva de reflexão sobre a paisagem e a ecologia em Portugal. Ajudou a redigir os artigos do capítulo da Constituição sobre Meio Ambiente que, junto com o ordenamento do território, foi, como político, agrônomo e arquiteto paisagista, sua maior luta. Gonçalo Ribeiro Telles fez as plantas, árvores e ideias que semearam as estátuas com que o país – ou pelo menos a parte de Portugal que não sucumbiu aos patos selvagens e aos eucaliptos que ele deplorou – o lembrarão.

Apareceu-nos em público, na televisão, levantando a voz, em consternação, contra o impacto da desordem do território nas consequências mortais das cheias do Tejo, em 1967, durante a ditadura. A mesma consternação com que se demitiu da Câmara Municipal de Lisboa, anos atrás, quando lhe foi pedido que desistisse de um projecto para a Avenida da Liberdade que desse mais espaço às árvores. Estávamos nos anos 50 e 60, e a conversa – aquela das árvores na cidade, um excesso de prédios versus natureza no espaço urbano – poderia ser hoje.

Ele não se considerava um utópico. Ou, dito de outra forma, ele sempre acreditou que, se atirada ao chão e acalentada, a utopia do reequilíbrio entre o homem e a natureza, a cidade e o campo, poderia prosperar. O que sempre caracterizou este conservador democrata – esteve ligado à oposição monárquica e católica, na ditadura, foi o fundador do Partido Monarquista Popular e depois do Movimento Partido da Terra – foi uma capacidade de leitura do território em que deve seja estável. Para além do tempo – que ele viu como coautor, com o homem, da paisagem – e das modas que a deram forma.

Jardins Gulbenkian
Daniel Rocha

“Toda pessoa tem direito a um meio ambiente humano, saudável e ecologicamente equilibrado e o dever de defendê-lo”, lê-se. no número um do Artigo 66 da Constituição que ele, com Fernando dos Santos Pessoa, e outros amigos, ajudaram a escrever, num café da Avenida da Liberdade, décadas antes de o mundo se dar conta, globalmente, da urgência de ir para o lado errado. E Gonçalo Ribeiro Telles fez esse dever de defender um bom ambiente, o reencontro entre a urbanização e a ruralidade, um projeto de vida, na política e além.

Planejamento Territorial

Entre as suas várias passagens pelo Governo, no pós-25 de abril, em DC, na década de 80, como Ministro de Estado e da Qualidade de Vida, lançou as bases para uma política nacional de ordenamento do território, e criou a Reserva Agrícola Nacional e a Reserva Ecológica Nacional. Já como académico, o ex-aluno de Francisco Caldeira Cabral – figura a quem devemos a introdução, entre nós, dos estudos da paisagem – iria criar o primeiro curso superior de Arquitectura Paisagista, em 1975. Um diploma da Universidade de Évora que acabou deixando de receber novos alunos no corrente ano letivo, para tristeza de quem o via como um dos legados mais importantes de Ribeiro Telles: a transmissão de conhecimentos.

Como paisagista, a sua obra mais conhecida será o Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian (1968) – pelo qual foi galardoado, com António Viana Barreto, o Prémio Valmor, em 1975 -, mas o seu génio paisagista deu origem a milhares de projectos e podem ser encontrados noutros espaços: no Jardim do Tanque Palácio de Mateus (1960), em Vila Real; no projecto Corredor Verde para a capital e no Jardim Amália Rodrigues (1996), no Parque Eduardo VII, também em Lisboa. O seu pensamento também se reflectiu nos projectos dos vales de Alcântara e Chelas, Radial de Benfica e Parque Periférico e também pode ser encontrado em vários textos em defesa de uma cidade, qualquer cidade, que respeita os pequenos jardins e a importância dos espaços públicos para suavizar o ambiente urbano.

Aos 90 anos, em 2013, e apesar de ter uma obra toda feita num país pequeno como Portugal, recebeu, dos antípodas, da Nova Zelândia, o Prémio Sir Geoffrey Jellicoe, considerado, entre os seus pares, o Prémio Nobel do Paisagismo , criada no início deste século. Foi o que aconteceu com Peter Walker (EUA), Bernard Lassus (França), Cornelia Hahn Oberlander (Canadá) e Mihaly Mocsenyi, (Hungria) numa distinção que definiu como “uma couraça” e que, insistiu, validou as propostas para resolver os “problemas que estavam preenchendo o [sua] tempo de vida – pessas respostas “que foram entendidas como utopias”, disparou.

O paisagista, como o chamou o PÚBLICO na notícia do prémio da Federação Internacional de Arquitectos Paisagistas, foi uma voz activa contra os eucaliptos do país – e contra outra monocultura, a do betão, no espaço urbano. E eu senti que, apesar de seu trabalho ser amplamente lido – o seminal A árvore em portugal, escrito com Francisco Caldeira Cabral, teve várias edições e está esgotado – faltaram decisores para traduzir o seu pensamento na prática. Isso nunca o deteve. No documentário de 2013, Em nome da terra, explica, de forma sucinta, o que o moveu, em busca do homem do futuro, aquele que uniria o campo e a cidade: “A inquietação deve existir. Estamos todos em marcha. A que horas da marcha estamos, não sei. ”

Com Isabel Salema

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